Guiné-Bissau: 50 anos independente

A luta da ex-colônia portuguesa foi parte de um processo maior, e ganhou relevância por ter sido a primeira independência a ser reconhecida

Por Marcelo Ayres, São Paulo.

Hasteamento da bandeira da Guiné-Bissau após o arrear da de Portugal em Canjadude em 1974.

A Guiné-Bissau comemorou no dia 24 de setembro, 50 anos da declaração de independência de Portugal. A declaração feita de forma unilateralmente em 1973 só foi reconhecida por Portugal em 1974, foi uma consequência de um longo processo de lutas em outros territórios africanos colonizados por países europeus.

O professor de História da África da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Alexandre Marcussi, explica que “as lutas pela independência das colônias europeias no continente africano já ocorriam desde a década de 1930, e se intensificaram depois do fim da segunda guerra mundial em 1945. No caso dos territórios colonizados por Portugal, já havia movimentos nacionalistas organizados que reivindicavam a independência desde a década de 1950, embora os partidos políticos que defendessem a causa da independência fossem perseguidos e considerados ilegais à época durante a ditadura do Estado Novo salazarista”.

A maior parte das colônias europeias na África conquistou sua independência entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1960, mas Portugal se recusou a negociar a independência de seus territórios. Alexandre destaca que “essa recusa portuguesa fez com que os movimentos independentistas optassem pela via da luta armada contra o regime colonial, com o início dos confrontos militares em Angola no ano de 1961. Na Guiné-Bissau, a guerra teve início em 1963. Portanto, quando o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde) declarou a independência em 1973, a luta armada contra a colonização portuguesa já estava ocorrendo há mais de 10 anos, em vários diferentes territórios”.

Almícar Cabral um dos fundadores do PAIGC e principal liderança na Guiné-Bissau.

Nasce o PAIGC

Diferentemente de Angola, considerada uma das mais importantes colônias portuguesas, a Guiné, ocupada por Portugal desde 1446, que ali mantinham várias feitorias e fortificações, era um território pouco extenso que tinha servido de entreposto para o tráfico de escravizados no Atlântico até ao século XIX, mas que pouco significado tinha no início dos conflitos separatistas das colônias na África.

O espírito conservador e retrógrado existente, a influência nacionalista da vizinha Guiné (Também conhecida por Guiné-Conacri) e o movimento nacionalista criado em 1956, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral, deram origem a uma greve de trabalhadores portuários em 1959, que exigiam melhores condições salariais. A greve acabaria por ser repelida violentamente pelas autoridades portuguesas, causando cerca de cinquenta mortos.

Almícar Cabral de óculos escuros e toca de crochê, suas marcas registradas.

Este acontecimento seria designado por Massacre de Pidjiguiti. Após o massacre, o PAIGC ainda tentou negociar com o governo português, em novembro de 1960, para acabar com a dominação colonial na África. Sem resposta do Estado português, o PAIGC altera a sua estratégia, no ano seguinte, de revolução política para “insurreição nacional”. Depois de uma preparação meticulosa das suas forças, e do apoio da Guiné, em 23 de janeiro de 1963, tem início a guerra pela independência, com um ataque dos guerrilheiros do PAIGC à guarnição portuguesa em Tite.

Almícar Cabral foi assassinado em 1973, na vizinha Guiné, em um atentado que o PAIGC atribuiu aos serviços secretos portugueses, mas que, na verdade, fora perpetrado por um grupo de guineenses do próprio partido, que acusavam Cabral de estar dominado pela elite de origem caboverdiana.

Luís Cabral, irmão de Almícar, que se tornou o primeiro presidente da Guiné-Bissau.

Apesar da morte do líder, a luta pela independência prosseguiu, e o PAIGC declarou unilateralmente a independência da Guiné-Bissau em 24 de setembro de 1973. Nos meses que se seguiram, o ato foi reconhecido por vários países, sobretudo comunistas e africanos. Seu irmão Luís Cabral assumiu o comando do PAIGC e se tornou o primeiro presidente da Guiné-Bissau.

Reconhecimento de Portugal com a Revolução dos Cravos

Alexandre Marcussi destaca que “não é possível analisar a independência da Guiné-Bissau de forma isolada dos processos de independência dos demais territórios”. No caso específico dos territórios colonizados por Portugal, as lutas armadas já vinham ocorrendo desde 1961 e contribuíram para gerar o desgaste político do Estado Novo salazarista, que culminou na Revolução dos Cravos em 1974 e na independência de todos os territórios coloniais portugueses.

Segundo o professor a independência da Guiné-Bissau foi parte de um conjunto de movimentos de libertação. “Inclusive os movimentos de libertação dos vários territórios de colonização portuguesa estavam politicamente articulados entre si no âmbito da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), e não agiram de forma isolada”, completa.

Alexandre esclarece ainda que “o reconhecimento formal da independência da Guiné-Bissau por Portugal ocorreu apenas em setembro de 1974, portanto depois da Revolução dos Cravos (que foi em abril de 1974). A independência foi declarada no ano anterior pelo PAIGC de forma unilateral e Portugal só a reconheceu depois do fim do regime do Estado Novo”.