Fluxos e contrafluxos culturais

“Ainda não existe abertura em Portugal para as manifestações artísticas brasileiras”

Por Lina Moscoso, Lisboa.

Brasil e Portugal trocam cultura? O que existe de Brasil em Portugal e o que existe de Portugal no Brasil? Segundo o ator e artista Chico Diaz, existe troca desde 1500, mas a abertura para o que vai do Brasil para Portugal ainda não é eficaz. “É algo ainda a ser desejado”, diz. Ou seja, o ator complementa dizendo que é preciso haver novos critérios e novos conceitos para que os fluxos e contrafluxos fluam de uma forma mais intensa e mais expandida. “Eu acho que as informações que circulam na Europa são muito necessárias no Brasil e Portugal têm elas né? Essa coisa da troca na área pictórica, nas artes plásticas, no teatro, no cinema, na dança. Você convive com esses estímulos cotidianamente em Lisboa. Se esse cosmopolitismo artístico e cultural pudesse chegar no Brasil – fluxo de informações, o que está se fazendo e como se está fazendo uma produção cultural – isso seria assim uma expansão da parte do receptor brasileiro”, acrescenta. 

O que Chico Diaz sente falta no Brasil é que a quantidade de informações que se tem acesso na Europa e em Portugal chegue no Brasil. “Então nós ficamos com uma coisa meio pequena, tacanha, reduzida à relação Brasil e Portugal do ponto de vista do historicismo e das memórias das famílias”. No entanto, o que importa, que é a grande linguagem e a grande narrativa da criação cultural, não chega, segundo o ator.

Relativamente aos investimentos em cultura, Chico Diaz acredita que é preciso viabilizar que a ponte cultural Brasil Portugal se estabeleça. Como, por exemplo, baratear as passagens de avião para que artistas brasileiros possam participar de eventos culturais em Portugal, ou haver uma troca efetiva no intercâmbio de festivais e ideias de incentivos, através de acordos na área da cultura. O ator acrescenta que as iniciativas podem ser através da língua, mas que seja além de uma ideia, isto é, que se possa tornar as trocas culturais práticas cotidianas com o objetivo de criar leis a fim de despertar a vontade política. “Falta vontade política de visibilização e de acolhimento da cultura dos países lusófonos por Portugal. Nós somos Moçambique, nós somos historicamente esses povos todos – da África”, frisa. 

Chico Diaz no papel de Fernando Pessoa no filme “O Ano da Morte de Ricardo Reis”.

Editais para a cultura 

No que toca ao tema da cultura em Portugal, a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, esteve em Lisboa em agosto deste ano para participar de uma roda de conversa com artistas brasileiros que vivem em Portugal, realizada na Casa do Brasil de Lisboa (CBL), associação de apoio a imigrantes. A comunidade artística e da cultura relatou a dificuldade que os artistas têm de usar os espaços e vias públicas das cidades portuguesas para organizar festivais e manifestações culturais, a exemplo do carnaval, que já conta com alguns blocos. Os brasileiros solicitaram à ministra que o governo Lula interceda junto às autoridades portuguesas de modo a facilitar a realização de eventos culturais nas ruas. Em Portugal, na maior parte das zonas urbanas, é necessário pagar para a Polícia de Segurança Pública (PSP) e às câmaras municipais (prefeituras) elevadas taxas para utilizar os espaços públicos. Os valores, em Lisboa, por exemplo, podem passar de 5 mil euros e a autorização dada pelos administradores públicos não permite a exploração comercial de qualquer produto durante a realização das festas.

A solução apontada por Margareth Menezes foi a abertura de editais para a produção e realização de atividades culturais, mesmo fora do território nacional. 

Chico Diaz e Maria Fernanda Cândido no filme “Vermelho Monet”.

Inviabilização

À margem das manifestações que conseguem ir e vir no circuito Brasil Portugal, existem culturas invisibilizadas. “A cultura parte de algum lugar e às vezes ela fica naquele lugar, ela não intercambia, nem troca. No Brasil há um grande espaço cego que não é visto pelas políticas culturais oficiais. As rádios comunitárias, os teatros de periferia são exemplos. O primeiro passo é garantir espaços para essas manifestações dentro do Brasil”, observa. 

Chico Diaz têm feito os fluxos e contrafluxos entre Brasil e Portugal. Ele atuou no filme “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, depois fez “Vermelho Monet” (longa-metragem), e também encenou a peça “Rei Lear”, no  Teatro Ibérico, bem como esteve em cartaz com a exposição “Riscos”, na Galeria da Graça, bairro de Lisboa. 

O ator volta para o Brasil no final de outubro para fazer uma novela – remake de “Renascer”.  Segundo ele, o Brasil está começando a engrenar de novo em termos de políticas culturais. Além disso, Chico está preparando um monólogo sobre Machado de Assis com o escritor Sérgio Rodrigues. 

Fora isso, o ator vai participar do Festival Literário Internacional de Óbidos (FOLIO), entre 12 e 22 de outubro. Chico vai participar da Conversa: “Literatura, Teatro e Cinema – a escrita do ator, existe?”, no dia 21 de outubro, junto com Antônio Grassi, Ruy Filho, Sofia Perpétua e Pedro Cardoso. A mesa vai discutir sobre a indagação se a escrita do ator existe ou não. “É mais uma provocação do que qualquer tentativa de concluir qualquer coisa, mas trazer à tona essa discussão para tornar nítida se é importante”, acrescenta. Chico lembra que nós estamos num âmbito de discussão em vários países sobre a legislação relativamente aos direitos autorais nas plataformas de streaming e nas redes sociais. Essas questões estão sendo debatidas no Brasil através do Projeto de Lei (PL 2630/2020), A PL das Fake News. 

“É interessante a discussão em cima de um universo que é muito ilusório porque acaba sendo  uma escrita de fumaça digamos assim no teatro, né? Já no cinema e na televisão você tem aquele registro do papel do personagem. Mas se eu vivo esse personagem então é mesmo o ato de interpretar”, finaliza.