Crise política em Guiné-Bissau mobiliza ONU, preocupa Brasil e coloca desafio para CPLP

Por Jamil Chade

Umaro Sissoco Embaló, presidente de Guiné-Bissau.

A instabilidade política em Guiné-Bissau entra no radar da ONU, do governo brasileiro e coloca um desafio para a CPLP.  No início de dezembro, confrontos entre elementos das Forças Armadas e da Guarda Nacional levaram o presidente de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, a qualificar a violência como uma tentativa de golpe de Estado, num país onde a ruptura institucional marca a vida política nas últimas décadas.

A crise começou depois que agentes da Guarda Nacional retiraram o ministro da Economia e Finanças, Suleimane Seide, e o Secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro, da cadeia. Mas as forças do exército resgataram os dois ministros, e os colocou de volta em celas. Enquanto isso, ainda prenderam o comandante Victor Na Tchongo. A crise ocorreu enquanto o presidente esteve fora do país.

Como resultado, Umaro Sissoco Embaló dissolveu o parlamento e demitiu o governo, alegando a passividade do Executivo em lidar com a crise. A oposição, porém, acusou o presidente de ter agido de forma irregular. O parlamento havia sido eleito em junho e o prazo mínimo para que ele fosse dissolvido ainda não havia sido cumprido.

Para o presidente do órgão legislativo guineense, Domingos Simões Pereira, portanto, o ato era “inconstitucional”, menos de um ano após a composição do Parlamento.

Domingos Simões Pereira Foto: Sam Shavers/Divulgação.

A Rede de Televisão Pública da Guiné-Bissau ainda foi cercada por forças de segurança e voltou a operar apenas uma semana depois. Mesmo assim, o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social da Guiné-Bissau (Sinjotecs) denunciou a invasão da redação por homens armados e a expulsão de jornalistas.

“Esta ação é uma afronta à liberdade de imprensa e de expressão, e um atentado à segurança dos profissionais que se encontravam apenas a cumprir o seu dever laboral”, disse o grupo, em nota emitida em 6 de dezembro.

Em 12 de dezembro, o presidente restabeleceu Geraldo Martins no cargo de primeiro-ministro. Mas uma nova reviravolta ocorreu uma semana depois, quando Embaló voltou a demitir o primeiro-ministro.

Sissoco Embaló assina a posse de Geraldo Martins. Foto: Reprodução.

Finalmente, no dia 21 de dezembro, o presidente estabeleceu um novo governo guineense, desta vez chefiado por Rui Duarte Barros.

“A dissolução do Parlamento não é motivo para nos vangloriarmos, mas o Parlamento não pode ser o lugar de conspiração, é a casa da democracia”, justificou o presidente. “Cada vez que vamos às eleições, falhamos. Em 1994, o Parlamento trouxe-nos a guerra civil, com o presidente Kumba Ialá foi a mesma coisa e comigo também”, acrescentou Sissoco Embaló.

Sissoco Embaló com Rui Duarte Barros. Foto: Reprodução.

No início de dezembro, o Brasil decidiu reagir à situação. Numa declaração, o Itamaraty apontou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva “acompanha com preocupação a corrente situação na Guiné-Bissau, no âmbito da qual foi recentemente dissolvida a Assembleia Nacional Popular, eleita em julho passado”.

“O Brasil insta ao diálogo entre as partes e conclama as autoridades ao respeito dos direitos fundamentais”, apelou a chancelaria brasileira.

Nesta semana, porém, foi o secretário-geral da ONU, António Guterres, quem entrou em cena. Em mensagem emitida pelo porta-voz-em Nova Iorque, António Guterres apela a todas as partes para que respeitem a Constituição e se envolvam num diálogo construtivo para a resolução das suas diferenças políticas.

A ONU ainda destacou o representante especial para a África Ocidental e o Sahel, Leonardo Simão, para manter os canais abertos de diálogo com os diferentes grupos políticos do país. Segundo a ONU, ele “está em contato com as partes interessadas relevantes e está pronto para se envolver com a liderança política do país e outras partes interessadas relevantes”.

Um dia após a declaração, a ONU recebeu um dossiê elaborado por figuras da oposição na qual denunciavam a crise em Guiné-Bissau. O mesmo documento foi enviado a todos os países membros da CPLP. Anísio Indami, chefe do grupo que apresentou a denúncia, insistiu que o “parlamento está sequestrado” e que o presidente “está a brincar com a democracia”.

Foto:Reprodução.

Mas a crise também coloca desafios para a CPLP. A Guiné-Bissau é o próximo a assumir a presidência rotativa da CPLP. Caberá ainda ao governo de Guiné-Bissau realizar a cúpula de chefes de estado da comunidade de países de língua portuguesa em 2025.  

Em recente viagem para Portugal, Carlos Vila Nova, presidente de São Tomé e Príncipe e que ocupa atualmente a liderança rotativa da CPLP admitiu que a situação em Guiné Bissau “levanta alguma preocupação, mas a democracia tem instrumentos para resolver esses problemas”.

Na entidade, a ordem é a de não repetir o comportamento de hegemonias e evitar interferir na situação política doméstica do país africano.

Mas a crise ocorre poucos meses depois que a CPLP decidiu fortalecer sua agenda de direitos humanos, inclusive com a criação de uma Rede de Pontos Focais de Direitos Humanos dos Estados-Membros da entidade.

Numa declaração conjunta emitida em meados do ano, os governos ainda insistiram em comemorar a “realização de eleições regulares, livres e pacíficas em Estados-Membros da CPLP e com a legitimidade democrática daí decorrente, elemento essencial da preservação de instituições representativas, da afirmação dos direitos humanos, bem como do reforço do Estado de direito democrático”.

No mesmo documento, a CPLP ainda destacou a importância de suas Missões de Observação Eleitoral, como as que foram enviadas para as eleições presidenciais e legislativas em Timor-Leste, respetivamente em 2022 e 2023, para as eleições presidenciais em Angola, em 2022; para São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e para a própria eleição legislativas na Guiné-Bissau, em 2023.

Vila Nova, porém, apenas fez um apelo para que as autoridades “concertem e conversem”. “A Guiné-Bissau também é uma democracia e, em democracia, há instrumentos próprios que nos ajudam a ultrapassar as diferenças, eu nem lhe chamo de conflito”, disse.

Ele não descarta o envio de uma delegação da CPLP ao país “para ajudar”. Mas insiste que será apenas para permitir que haja “mais diálogo”. “Só conversando é que nós encontramos todos os instrumentos previsto em democracia para resolver os problemas que se nos colocam no dia a dia”, completou.

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