Brasileiros financiam família real portuguesa

Em Petrópolis, Rio de Janeiro, moradores pagam taxas imobiliárias que são destinadas aos descendentes de D. Pedro II

Por Redação, Lisboa.

A família real portuguesa ainda recebe apoio financeiro de cidadãos brasileiros, através de taxas sobre o valor das transações imobiliárias pagas pelos habitantes de Petrópolis. A explicação para isso é que todo o território onde está construída a cidade do Estado do Rio de Janeiro é de propriedade dos descendentes do último imperador do Brasil, Dom Pedro II. 

Ainda que, com a instauração da República em 1889, as posses da família real tenham sido confiscadas, como o Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, mesmo assim os brasileiros continuam pagando taxas de 2,5 % sobre o valor de alienação dos imóveis que são revertidas aos descendentes de Dom Pedro II. Esses pagamentos são feitos à Companhia Imobiliária de Petrópolis, sucessora da Superintendência da Fazenda Imperial, que administra hoje os interesses fundiários dos herdeiros do imperador. 

A cobrança está protegida legalmente pelo regime de enfiteuse, que é um instituto jurídico originário do Direito Romano, contrato perpétuo através do qual o proprietário de uma terra transfere ao rendeiro (enfiteuta ou foreiro) o direito de cultivar a terra mediante o pagamento anual de um foro (cânon ou pensão) e de um laudêmio, percentual sobre o valor do imóvel a ser pago quando ocorre uma transação onerosa com escritura definitiva dos direitos de ocupação ou do aforamento de terrenos. É um regime que foi disseminado pelo imperador Justiniano (483-565) como uma forma de ocupar as áreas conquistadas pelo Império Romano e, mais tarde, trasladado no século 13 para o ordenamento jurídico português.

Monarquia e casamento real

Se Portugal voltasse a ser uma monarquia, o rei seria D. Duarte Pio de Bragança, de 78 anos. A sua filha Maria Francisca de Bragança, terceira na linha de sucessão ao trono português, casou-se no primeiro final de semana de outubro, no Palácio Nacional de Mafra, a 40 km de Lisboa. O palácio de Mafra inspirou a obra de José Saramago “Memorial do Convento”. 

O trono português foi ocupado pela família Bragança a partir de 1640 com D. João IV. A monarquia foi abolida em 1910. Neste ano, as propriedades da família real foram confiscadas e nacionalizadas, incluindo o Palácio de Mafra. Em 1830, o então imperador D Pedro I comprou a Fazenda do Córrego Seco para ser a residência de veraneio. O local é hoje o Primeiro Distrito de Petrópolis. Em 1843, o filho de D. Pedro I, D. Pedro II, assinou um decreto imperial visando a fundação de um povoado e a construção de uma residência imperial na futura Petrópolis. No entanto, a aquisição e usufruto dessas terras foi feita na qualidade de imperadores monárquicos, portanto, com a implantação da República, em 1889, a propriedade deveria ter sido cedida ao Estado.

A democracia de Portugal, de 25 de abril de 1974, aboliu a enfiteuse (decreto-lei número 195-A/75), através da nova Constituição da República que reforça a proibição deste tipo de regimes de exploração da terra (art. 96). Mas a lei brasileira continua preservando o regime da enfiteuse. O Código Civil de 2002 proíbe a instalação de novas enfiteuses e subenfiteuses. Porém, as leis já constituídas não foram abolidas.

Regime no Brasil 

No Rio de Janeiro, não é apenas em Petrópolis que esse regime funciona, mas também na cidade do Rio de Janeiro, nos bairros de Botafogo e de São Cristóvão, os impostos são cobrados pela Igreja Católica ou por antigas famílias portuguesas. As taxas dizem respeito a imóveis localizados em “terrenos de origem familiar” ou de “famílias colonizadoras”. 

Já em São Paulo, existem enfiteuses nos imóveis localizados em torno do mosteiro de São Bento, no centro da cidade. E no resto do Brasil, há casos em São Francisco do Sul (SC), Barueri (SP) e Santana de Parnaíba (SP), bem como no centro histórico de Olinda (PE), e em torno da basílica Nossa Senhora do Carmo, em Recife, entre outros locais.

O regime tem sido alvo de ações coletivas movidas por associações de moradores e centenas de ações individuais na Justiça. Além disso, há projetos de lei de deputados e até uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para acabar com as taxas. No entanto, nenhuma ação conseguiu pôr fim ao laudêmio.