Brasil terá o desafio de recriar o multilateralismo no G20

Por Jamil Chade.

Ilustração: Zozi.

A guerra em Gaza, o risco de um conflito regional, uma ONU incapaz de agir, a invasão da Ucrânia, eventos climáticos extremos, recorde de refugiados, golpes de estado no Oeste africano, a rivalidade entre China e EUA em todos os tabuleiros e a proliferação da tensão mundial.

É isso que espera o Brasil, quando o país assumir a presidência do G20, em poucas semanas. Por um ano, o governo Lula terá a missão de organizar cúpulas, reuniões e mediar debates entre as maiores potênciais mundiais.

Mas se a meta do Brasil era a de reposicionar a agenda internacional num esforço para que a erradicação da pobreza, o clima e a reforma da governança global voltassem a estar no centro das atenções, a atual situação política do mundo ameaça paralisar a agenda.

Ao participar dos últimos encontros internacionais, inclusive na abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou impedir que a guerra na Ucrânia dominasse seu discurso, seus gestos e sua visão do mundo.

O foco deveria ser o combate contra a desigualdade, a base de todas as injustiças e tensões na sociedade.

Mas a geopolítica se impôs, assim como a fratura da comunidade internacional, incapaz de dar respostas.

O governo brasileiro não vai mudar sua agenda para o G20. E nem deveria. Mas, entre diplomatas, há uma consciência de que qualquer avanço ficou ainda mais difícil de ser atingido.

Uma ameaça, no fundo, para a própria estabilidade do planeta. No atual ritmo de avanços sociais, a meta de erradicar a pobreza e a fome extrema até 2030 não será atingida. Tanto a ONU como agências de desenvolvimento esperavam justamente pela presidência do Brasil no G20 para recolocar o calendário nos trilhos.

Mas fica cada vez mais nítida a imagem de que as metas de 2030 farão apenas parte de uma epígrafe de um mundo que nunca foi e o testamento de um fracasso histórico.

O que sim ganha força é a intenção do Brasil de mostrar ao mundo que o atual sistema de governança global está falido. O poder de veto de apenas cinco países impediu que decisões fossem tomadas sobre a Ucrânia e, em Gaza, paralisam a resposta internacional.

Enquanto isso, Conselho de Segurança se transformou em palco de populismo diplomático. Invadindo a Ucrânia e acusada de crimes de guerra, a Rússia se apresenta como a pacificadora em Gaza e preocupada com civis. Apresentando-se como o país ao lado da ordem e do direito na Ucrânia, o governo americano arma e chancela a operação de Israel contra Gaza.

O Brasil queria usar a presidência do G20 como principal palco para seu protagonismo mundial, numa política externa que tenta reposicionar o país no mundo.

Mas enfrenta um questionamento explícito de alguns dos pilares de nossa política externa e que marcou a inserção do Brasil no mundo por décadas: o direito internacional, hoje tão frágil quanto as barracas montadas por milhões de refugiados pelo mundo e onde a palavra futuro perdeu o sentido.

Na presidência do diretório do mundo, o Itamaraty enfrentará o desafio de ter de recriar o multilateralismo, em parte enterrado sob os escombros de Gaza e de Mariupol.