A bola rola no relvado ou no campo?

Treinadores portugueses têm até glossário para se adaptar ao futebol brasileiro

Por Douglas França, São Paulo.

Foto: divulgação

“As equipas acendem ao relvado para honrar suas camisolas neste jogo a duas mãos dentro desta jornada!”. Imagina você escutando o Galvão Bueno narrando um início de jogo assim. Se você estivesse em Portugal provavelmente seria desta forma que você iria saber que “os times entraram em campo para honrar suas camisas no primeiro jogo de ida e volta nesta rodada!”.

Falar a mesma língua nem sempre é garantia de ser bem entendido. Em Portugal, por exemplo, torcedores são chamados de adeptos; a grama é relvado; baliza para os brasileiros é o gol. Essas particularidades causam algumas situações inusitadas para técnicos portugueses que trabalham em times brasileiros.

Abel Ferreira, técnico do Palmeiras e um dos principais profissionais portugueses em ação no Brasil, que o diga. Em uma entrevista para a TV Palmeiras, ele contou que em um trabalho de treino com os jogadores, ele disse: “Atenção à receção! Atenção à receção!”. Por mais que Abel gritasse, a orientação parecia ser ignorada por seus atletas. A confusão estava na palavra receção, utilizada pelo treinador, que em Portugal significa dominar a bola. Quem alertou o técnico palmeirense foi o goleiro Weverton.

A diferença no sotaque e a pronúncia das palavras às vezes podem gerar mal-entendidos e dificuldades na comunicação. No entanto, para o técnico do Palmeiras, essa questão afeta mais os brasileiros do que os portugueses. “Eu tenho uma opinião sobre o motivo. Nós portugueses estamos acostumados a ver novelas brasileiras desde pequeno. Então, entendemos todos os sotaques, seja do norte, do centro ou sul”, completou Abel no canal do clube.

As questões linguísticas interferem, inclusive, na grafia do próprio nome. António Oliveira já passou pelo Athlético Paranaense, Coritiba e hoje está de volta ao Cuiabá. Seu nome em Portugal tem um acento agudo ao invés de circunflexo. O treinador brincou com a situação em uma participação no programa “Bem, Amigos” da SportTv: “eu aqui no Brasil sou Antônio, não tem problema. Tenho que me adaptar ao Brasil, e não o Brasil se adaptar a mim”, e completou “é mais fácil um adaptar-se a 25 do 25 adaptar-se a um”.

Desde a chegada do primeiro técnico português desta safra de intercâmbio entre os gramados,  a conversa entre treinadores, torcedores e imprensa já causou momentos desconfortáveis. “No Brasil, há cultura de resultados muito forte, com torcidas muito emotivas, com sentimentos que geram atitudes agradáveis e não agradáveis”, argumentou Luís Castro, na época técnico do Botafogo, ao participar de um fórum da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANFT), na cidade portuguesa de Viana do Castelo.

Idioma ajuda na adaptação

Voltar a trabalhar em um país com raízes próximas às da terra natal ajuda muito. Pedro Caixinha, do Red Bull Bragantino, passou boa parte da carreira treinando clubes de língua espanhola e árabe. “Eu já estava com saudades de falar português. Quando falamos a mesma língua nos identificamos mais. É verdade que há muitos termos brasileiros que preciso aprender. Tenho que criar um glossário para as coisas ficarem mais fáceis”, declarou o treinador em entrevista ao site OneFootball.

Pedro Caixinha nem precisou criar o glossário, pois Abel Ferreira fez isso em seu livro “Cabeça fria, Coração quente”, onde faz uma relação dos principais termos futebolísticos lusitanos e brasileiros. Caixinha só precisa comprar o livro! No final do texto você pode conferir o glossário.

Vitor Pereira também teve experiência com línguas bem diferentes do português. Antes de desembarcar em São Paulo para treinar o Corinthians, em 2022, passou três anos na China e um na Turquia. “Xangai tem 25 milhões de habitantes, Istanbul também tem 20 milhões, são cidades grandes. Mais do que a cidade, é nos adaptarmos à cultura. Acredito que é mais fácil se adaptar no Brasil do que na China. Culturalmente temos muitas coisas em comum”, afirmou, na época quando chegou ao Brasil para assumir o Corinthians.

Um dos mais recentes técnicos portugueses a chegar no país, Ivo Vieira, que teve uma passagem curta pelo Cuiabá, disse em sua coletiva de apresentação que a adaptação ao Brasil é tranquila, pois o idioma mais ajuda do que atrapalha e facilita para conhecer a cidade. “Falamos a mesma língua e recebem muito bem quem vem para cá, como em Portugal recebemos bem o povo brasileiro”, completou.

Abel Ferreira organizou seu próprio glossário para compreender o português falado no Brasil. Ele fez uma lista das palavras do esporte, do futebol e do dia a dia de um clube. Segundo ele próprio cita, em seu livro, entender as diferenças de significado antes mesmo de chegar no país foi fundamental para sua rápida adaptação.

Português de PortugalPortuguês do Brasil
DesportoEsporte
EquipaEquipe
PlantelElenco
SuplentesReserva
ClaqueTorcida
AdeptoTorcedor
Apanha-bolasGandula
RelvadoGrama
GinásioAcademia
GoloGol
BalizaGol
TaçaCopa
EquipamentoUniforme
CamisolaCamisa
FatoTerno
JornadaRodada
PosteTrave
Jogo a duas mãosJogo de ida e volta
EstágioConcentração
ComitivaDelegação
ConvocatóriaConvocação
Regresso aos treinosReapresentação
PalestraPreleção
ListaRelação
ÉpocaTemporada
Conferência de imprensaColetiva
DireçãoDiretoria
Treinador principalTécnico / professor
Treinador adjuntoAuxiliar técnico
ObservadorAnalista de desempenho
Treinador de guarda-redesPreparador de goleiros
StaffComissão técnica
Equipe TécnicaComissão técnica
Guarda-redesGoleiro
Defesa centralZagueiro
Médio defensivo1º volante
Médio2º volante
Médio ofensivoMeia-atacante
ExtremosPontas
Ponta de lançaCentroavante
AvançadosAtacantes
JokerCoringa
Pontapé de cantoEscanteio
Pontapé livreCobrança de falta
Fora de jogoImpedimento
Lançamento longoArremesso lateral longo
Bola longaLançamento longo
Pontapé de balizaTiro de meta
ConstruçãoSaída de bola
Fase de criaçãoIntermediária
Fase de finalizaçãoTerço final
Jogar entrelinhasFlutuar
Receber orientadoReceber no giro
Movimentos ruturaMovimentos facão
Desviar a bola de cabeçaCasquinha
RemateChute
2ª bolaRebote
DefenderMarcação
Pressão individualEncaixe da marcação
BasculaçãoBalanço
Prevenção à perdaCobertura ofensiva
Cabeça Fria, Coração Quente, Abel Ferreira, Garoa Livros, SP, 2022.